2024: desconectar para se reconectar

por MARCOS HILLER

Escrevo esse texto em mais um dia chuvoso e sentado em um café na cidade de Rotterdam na Holanda. E se esse texto te soar como “meu querido diário”, eu lamento. Dou início a esse meu último artigo do 2023 citando um sujeito recentemente cancelado: “algumas vezes, um clichê é a melhor forma de se explicar um ponto de vista”, disse Woody Allen, certa vez, o gênio que se eternizou no cinema novaiorquino. Digo isso pois muito provavelmente eu devo exagerar em alguns clichês nesse texto. Escrevo para organizar as ideias e efetuar um mini balanço do que tenho refletido sobre o meu entorno e esse mundo que habitamos. Sem jamais exercitar futurismos.

Após quase 20 dias aqui na Holanda, provavelmente o país mais peculiar que já pus meus pés, tenho pensado muito sobre o nosso estar no mundo. Eu, assíduo leitor de autores das ciências humanas e, especialmente, da antropologia, é impressionante ver como realmente a cultura é decisivamente um elemento tão maravilhoso e, ao mesmo tempo, algo tão seminal que modela e modula o nosso estar nesse mundo. É a cultura quem edita nosso olhar sobre as coisas que nos rodeiam. Ela quem determina a forma como nosso sensório absorve os elementos que compõem o mundo. E o jeito que os holandeses lidam com absolutamente tudo não é nem melhor e nem que pior da forma que nós lidamos. É simplesmente bastante diferente. Vou morar alguns meses numa importante cidade europeia e com área de globalidade. Outro dia, me peguei conversando aqui num bar com um sujeito do Suriname, um paisinho colado ao meu de origem, mas que nunca tinha me relacionado com ninguém dele. A Holanda é um país global onde realmente o mundo se esbarra e nosso ouvido é provocado com línguas e dialetos que você jamais escutou em toda a sua vida.

O próprio idioma holandês é algo que dói em meu ouvido. É realmente bem diferente de tudo. Uma espécie de simbiose linguística de alemão com japonês e com uma pitada de algo nórdico Aqui os iogurtes são fabulosos, o suco de laranja é delicioso, o chocolate é magnífico e batata é incomparável. E o clichê do “tudo funciona” é levado a sua máxima perfeição. Os museus são fantásticos. Ao meu olhar, muitas pessoas são sisudas, diretas e sérias (para não citar outros adjetivos). Elas não falam de futebol e da meteorologia no elevador, pois aqui parece que essas coisas não existem e sinto que fico com um leve vazio existencial por isso. Um dia que não chove é uma festa e um dia de sol então é uma festa rave pelas ruas. Mesmo assim, a chuva parece não ser uma questão para eles, que tocam as suas rotinas diárias com suas formidáveis jaquetas tech e seguem marchando pelas quase sempre molhadas ruas de Rotterdam. A atmosfera é de uma Berlim comunista, com um belo toque de modernidade, misturado com o mood do clipe de “Gloria” do U2, aquele cinza das docas e região portuária de Dublin (que eu nunca estive).

Sou um estudante brasileiro, e após 45 anos de vida, vou passar uma razoável temporada de 6 meses fora do meu país. Uma ansiedade boa, misturada com frio na barriga e com um desejo de tentar aproveitar ao máximo essa jornada. Vim fazer uma etapa de minha pesquisa de doutorado na Erasmus Rotterdam University, onde estudo a racionalidade neoliberal, precarização de trabalhadores e uberização. Aqui eles estão anos à frente, pois a Europa é super regulada, os trabalhadores plataformizados têm uma série de direitos e avanços conquistados. No Brasil, eles ainda estão muito desprotegidos e nem plena consciência desse vilipêndio eles têm infelizmente.

Um aspecto que mais me chamou a atenção é como aqui muitas pessoas são desconectadas de seus smartphones. Claro que o celular é imprescindível em nossas vidas hoje para pedir comida, ver o clima, trabalhar, responder email, etc. Já estou morando na minha nova casa e até a máquina de lavar eu preciso acionar e pagar via um tal de app wash. Sensacional! Mas vejo muito deles sentados e conversando sem nem ter o telefone em cima da mesa é algo que me provoca e me faz pensar. Tentarei com todas as forças me afastar dos magnéticos feeds e meu mantra para 2024 será o desconectar para se conectar comigo mesmo. Já era algo que pensava em fazer e agora com essa provocação explícita que estou me deparando, chegou a hora. A meta é se planejar e viver intensamente um dia após o outro. Ler mais, malhar bem, comer menos e comer bem. Beber menos, dormir melhor, etc e por aí vai. Encerro esse meu despretensioso texto com um sincero desejo de um 2024 luminoso para você que passou seus olhos nesse meu texto aqui até o final. O meu muito obrigado e rumemos para 2024 com a mente leve e o coração quente. Avante!

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