A estetização do capitalismo?
por Marcos Hiller
Recentemente caiu na minha mão o novo livro de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, lançados em 2013, chamado “O capitalismo estético na era da globalização”. Lipovetsky é um autor super prestigiado em diversas áreas do conhecimento, na comunicação, na moda, na estética, no consumo, no marketing, etc. Hoje ele é membro do Conselho de Análise Social, órgão de apoio ao primeiro-ministro da França, um termômetro para questões delicadas como a proibição do véu islâmico e outros sinais ostensivos religiosos nas escolas. Lipovetsky escreveu os livros “O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas” (Companhia das Letras), “A Sociedade da Decepção”, “A Era do Vazio” e “A sociedade pós-moralista”, estes últimos publicados no Brasil pela editora Manole. Pelos nomes dos títulos já percebe certo pessimismo e um aborrecimento para interpretar os fenômenos do mundo contemporâneo, assim como também vemos em outros autores europeus esse tom meio apocalíptico para ler essa era que vivemos. Já Jean Serroy é professor da Universidade de Grenoble e autor de várias obras sobre a literatura do século XVII. Eles escreveram juntos poucos anos atrás outra obra que gosto muito: a Cultura-Mundo.
O termo “globalização” estampa o título da obra, mas ao longo do livro começa a ser abandonado pelos autores. Eles preferem o uso do termo “mundialização”, pois dizem que esse é mais adequado pra designar a contemporaneidade, ou seja, um mundo regido não apenas por elementos financeiros e econômicos, mas também fortemente há ajustes nas placas tectônicas do mundo na ordem social e cultural. O nome original da obra é “L’esthétisation du monde”, traduzindo livremente ficaria como “a estetização do mundo”. Como toda e qualquer perspectiva teórica, uns concordam e outros não. Eu particularmente gosto de muita coisa que o pensador francês fala, ele usa bem as palavras (ou o tradutor dele é muito hábil em escolher as palavras certas), mas também acho que a fala dele em alguns momentos falta uma sustentação teórica, ele vai jogando os termos, costura muito bem as palavras, mas parece que falta algum aporte científico que alicerce a argumentação dele em alguns momentos. Enfim, não precisamos concordar com tudo e acho que justamente da discordância de teorias que se dá construção do pensamento científico evolui.
O livro está custando R$ 112 reais na Livraria Cultura. O capítulo que mais me chamou a atenção é o que fala sobre a estetização do capitalismo na esfera do CONSUMO. Eu gostei do que li, ele descortina alguns aspectos que vemos hoje no nosso dia a dia e pouco paramos para pensar. São astutas ferramentas usadas pelo sistema capitalista e, sobretudo, pelas marcas para atingir nós consumidores. Duas falas deles me chamaram muito a atenção para compreender algumas lógicas atuais do consumo, relacionado com o mundo digital. Hoje em dia, há uma predominância estética na lógica do capitalismo e eles vão descrevendo exemplos disso. Não basta ser apenas um shopping comum, um simples centro de compras, mas os shoppings hoje são verdadeiros templos do consumo, com arquiteturas nababescas, vis-à-vis o que vemos no JK IGUATEMI hoje na cidade de São Paulo. Não basta ser apenas uma igreja, tem que ser o Templo de Salomão da Igreja Universal com uma arquitetura e uma imponência faraônica.
Ao pensar sobre as lógicas do Facebook e como ele interfere nas nossas subjetividades e na própria construção de nossa identidade, Lipovetsky aponta que:
“uma característica do universo do Facebook reside no lugar importante que ocupa a lógica afetiva que se efetua, em especial pelo botão “like”. O importante já não é o ideológico ou a posição na escala social, mas o reativo, o apreciativo e o estético aparecem como pólos privilegiados da expressao de identidade hiperindividualista. Assim, perante uma mensagem, uma opinião, uma foto, um trecho musical, o usuário do Facebook clica no “like”. Não é necessário dizer por que razão eu “curti”; o que conta é dizer curto ou não curto. No estado atual, é pelos meus gostos, pelos meus likes, pelas minhas reações emocionais, pelos meus juízos apreciativos que exprimo melhor a minha identidade singular, é isto que me posiciona junto dos outros: eu sou o que gosta disto, que não gosta, que já não gosta. Já não se trata “penso, logo existo”, mas eu sou o que gosto, o que me agrada aqui e agora. E uma identidade de tipo estética, emocional e passageira, que triunfa no Facebook.”
Outra fala que me chamou muito a atenção, foi quando Lipovetsky pensa sobre uma “ditadura da magreza” que se espraia hoje em diversas esferas de nossa sociedade.
“Quanto mais se reinvidica a autonomia dos indivíduos, mais se intensificam as servidões da aparência corporal, as tiranias da beleza em qualquer idade, as exigências de conformidade com o modelo social do corpo jovem, esbelto e firme. Quanto mais as exigências hedonistas são legítimas, mais se afirma o mesmo ideal de beleza e mais indivíduos buscam intervenções tecnológicas e performativas em termos de aparência. No sentido de construir uma imagem de si jovem, musculosa e esbelta, as academias se multiplicam, os homens e principalmente, as mulheres fazem dieta, viram consumidoras bulímicas de cuidado com o corpo, de cremes reestruturantes, de produtos biológicos. Superconsumo de produtos estéticos que tem como contrapartida um culto inquieto, obsessivo, sempre insatisfeito com o corpo, marcado pelo desejo anti-idade, anti-peso, por um trabalho interminável de vigilancia, de prevenção, de correção de si mesmo.”
É o que vemos hoje nos discursos das telenovelas, nas revistas de beleza e no “reality show fitness” que vemos hoje em perfis do Instagram.