O que há por trás do turismo da nova classe média.
Imaginem uma massa de 40 milhões de indivíduos entrando no mercado de consumo, comprando passagens, lotando aeroportos, viajando pela primeira vez na Azul ou na Gol…
Isto aconteceu com a estabilização econômica no início dos anos 2.000. E eles migraram das ditas classe D e E para a classe C, a “nova classe média” do economista Marcelo Neri – pesquisador da FGV, responsável por diversos estudos da “base da pirâmide” brasileira.
A primeira questão para termos em mente sobre este público é a da autoestima, que se reflete na compra de roupas de marca e smart-phones de ponta, por exemplo, na maioria das vezes parcelada em 10 vezes. No consumo de turismo ela pode ser ilustrada pelas pesquisas do IBAM; DATAPOPULAR (2005). Segundo este estudo viajar para mais de 70% do público é essencial, pois quebra a percepção dura da vida e traz de volta um sentimento de realização – “eu também posso”. E é neste momento que este público se sente importante e valorizado, como atesta um agente de viagens de Belo Horizonte:
Nós vendemos sonhos (…) e eles têm o sonho de conhecer tal lugar, então o nosso dever é oferecer para ele o melhor para que o sonho dele se torne real. É onde entra a confiança. Ele está confiando de que você vai realizar o sonho dele (IBAM; DATAPOPULAR, 2005, p. 23).
Como sabemos muitos destes consumidores moram em comunidades. Intrigado com isso me pergunte – “mas quem mora na Rocinha (no Rio) ou em Paraisópolis (SP) compra passagens através de agências de viagem?”.
Pasmem, pela minha pesquisa descobri quatro agências de viagens ativas e lotadas nos finais de semana, que atendem aos moradores da Rocinha (e a mesma quantidade no Rio das Pedras) – duas das três maiores comunidades do Rio de Janeiro. E daí me veio outra pergunta – “mas este público viaja para onde?”. É até meio óbvio a resposta dado que a Rocinha é sabidamente uma das maiores comunidades nordestinas do Rio. Em minha pesquisa de campo, que foi tema de minha dissertação, descobri que sua grande motivação de viagem é visitar seus parentes no Nordeste. O povo viaja em média de uma a duas vezes por ano, paga direitinho no cartão de crédito, em dinheiro, no débito. Na VRM Turismo da Rocinha, agência que funciona há mais de 20 anos próxima ao Largo do Boiadeiro, são dezenas de clientes atendidos diariamente. Eles lotam um ônibus da Itapemirim para o Ceará todos os sábados, além de vender centenas de passagens aéreas por semana.
A classe média da Rocinha quer mais! Eles querem conhecer o Mundo também. Vejam seus depoimentos de minha pesquisa realizada em 2014 na Rocinha:
“Meu destino de férias seria Natal. Já conheço João Pessoa, Ceará e Brasília” (M.S.A, 34 anos).
“Eu tenho um sonho de conhecer Madri por causa do futebol, quero conhecer o Real Madri. Já tô (sic) até tirando meu passaporte” (D.C, 33 anos).
“Gostaria de conhecer Fortaleza ou Natal a passeio, mais no Nordeste que eu tenho vontade de viajar, mas falta tempo. Até tenho vontade de ir pro (sic) exterior, mas num (sic) fui ainda por falta de tempo e de possibilidade, tem que estar tudo organizado, tempo, financeiro (sic)” (C.S., 69 anos).
“Nunca pensei em ir pra fora do Brasil não, mas se tivesse condições, gostaria de ir para África ver os bichos, as onças (sic), os leões, as zebras. Tem muita gente que quer ir para Disney para parque, mas eu queria ver os bichos (sic) na natureza mesmo” (F.C., 49 anos).
“Para passear tinha vontade de conhecer Porto de Galinhas. Quando eu tive em Pernambuco e pessoal falou muito bem de lá. Pra fora (sic) eu queria ir para Grécia, pois eu conheço pessoas que falam bem de lá” (P.M., 32 anos).
“No Brasil gostaria de conhecer a Bahia e no exterior gostaria de ir para Miami para fazer compras mais baratas. Dizem que o lugar é bonito também (sic)” (L.C., 43 anos).
O curioso que apesar do incremento do nível de renda de muitos dos indivíduos entrevistados ainda há uma resistência, ou talvez desconforto em sair daquela rotina de visitar seus parentes todos os anos. E eles muitas vezes até teriam condições de ir para algum outro destino, já que o custo da passagem ou mesmo de um pacote de viagens, não seria muito diferente do que já pagam em passagens na alta temporada.
New York, Madri, Ilhas Gregas e Miami que os esperem…
Ou serão eles ou seus filhos!
Fotos dos empreendedores da VRM Turismo. À esquerda Gabriela Ramos (Rio das Pedras) e à direita Valter Ramos (Rocinha)
Roberto Falcão é um dos colunistas desse site – robertofalcao@terra.com.br