Precisamos postar?
A nossa vida não cabe no nosso corpo apenas. Precisamos postar. Nossos pensamentos são polêmicos? Precisamos postar. Comemos em bons restaurantes e não basta ser um trivial ato de se alimentar. Precisamos postar. Os lugares que frequentamos são incríveis? Precisamos postar. As minhas viagens não cabem apenas em mim. Precisamos postar. Minha vida é infestada de momentos memoráveis? Precisamos postar. Meu ritmo de vida é sexy, intenso, frenético, correria. Precisamos postar. Meus filhos são os mais lindos e a vida deles também é uma linda narrativa. Precisamos postar. As coisas que vivo, que sinto, que olho, não podem ser limitadas apenas ao meu sensório. Precisamos postar!
Por que isso acontece hoje em dia? Uma tese muito simples e que, de alguma forma, responde isso é: o ser humano é vaidoso, sempre foi e sempre será. E empresas como Facebook, Snapchat, Instagram e afins apenas entenderam isso de forma sublime. A câmera frontal de nosso smartphone é o grande responsável por esse fenômeno das postagens intensas de nosso cotidiano? O Instagram nos deixa mais vaidosos? Claro que não, cara pálida! O protagonismo nunca está no “device” e sempre nas pessoas. É tudo uma questão de como as pessoas de apropriam, é tudo uma questão de apropriação social. Nunca a tecnologia, nunca o dispositivo, mas sempre como a gente se apropria deles. Google Glass era aparentemente uma boa ideia, mas não foi apropriado socialmente pelas pessoas, nem comercialmente, e parece que o projeto foi abandonado.
O fato é que evidenciamos todos os dias em nossas timelines uma grande quantidade de pessoas narrando suas vidas, descrevendo com riqueza de detalhes absolutamente tudo que acontece em seus cotidianos. Às vezes, nos deparamos em nossas timelines, alguns conteúdos que, ao nosso olhar, são tolos, bobos, como frases feitas, figurinhas dos Ursinhos Carinhosos, coisas desinteressantes. Mas para aquelas pessoas que estão postando, trata-se de algo muito relevante. São conteúdos desinteressantes aos nossos olhos, mas para a outra pessoa certamente aquilo significa algo. A foto do bebê que nasceu, o selfie no banheiro da escola, o sorriso forçado, a foto do nada, a foto do gato (todo são iguais!!!), tudo tem um significado e uma importância simbólica para o usuário. Quem disse que os nossos conteúdos que postamos são os mais interessantes e relevantes? Não sei. Quem disse que a nossa estratégia de uso de redes sociais é a mais tchananã? Claro que não.
O fato é que cada um de nós desenvolve (consciente ou inconscientemente) uma estratégia de uso e de apropriação de redes sociais online. Uns publicam muito, outros publicam pouco. Outros não publicam nada. Outros nem usam. Uns narram obscenidades e detalhes sórdidos do dia-a-dia, já outros postam quase nada sobre a própria vida. Uns tiram o dia inteiro pra ficar sentando o cacete no governo, outros defendem perspectivas políticas contrárias. Uns usam isso aqui como um verdadeiro show do eu, outros usam como muro de lamentações. Outros postam 7838 fotos da filha vestida de caipirinha na festa junina da escolinha e com a convicção de que ela é a mais linda do Sistema Solar. Uns só dão check-in em restaurantes descolados como o Ráscal, o Gero, na melhor cantina da cidade. Já na rodoviária do Tietê, no kilão nosso de cada dia, dar check-in? Nem pensar. Afinal não é nada sexy. E check-in no Giraffas, no Habib’s então? Você tá louco! Nem pensar. Isso não aumenta nosso capital social, que é construído culturamente. Já outros dão check-in no cartório, no hospital, na casinha do cachorro. Uns bancam o ‘pseudo-intelectualóide’ e escrevem bobagens o dia todo no Facebook, outros escrevem coisas lúcidas e inteligentes. E tudo isso regido por um algoritmo, que muda diariamente.
Quem está certo e quem está errado nesse palco virtual? Quem usa bem e que usa mal o Facebook? São perguntas que, para mim, não nos cabe achar respostas. Não nos cabe julgar quem usa certo e quem usa errado. Cada um usa como bem entender. Como disse em um parágrafo acima, é tudo uma questão de como as pessoas se apropriam. Penso que devemos simplesmente ficar conectado com outros usuários que temos interesses em comum e que postam coisas interessanres sob o nosso ponto de vista.
Eu tenho a minha estratégia de apropriação desses espaços online, tenho minhas munições discursivas, construo as minhas narrativas que me interessam e que acho que pode interessar demais usuários. Eu curto as coisas que jogam a meu favor. Tenho minhas disputas simbólicas, etc. Cada um tem a sua. E se a postura de alguém te incomoda aqui, a minha é simples: pare de seguir aquela pessoa. Dê um “unfollow” nela. Simples assim. Por semana, eu oculto os posts de uns 10 “amigos”. São pessoas que eu até tomaria um chope na vida real, na vida offline, mas naquele espaço online, a estratégia discursiva dela me dá certa preguiça. Faça isso também! Certamente, o mundo será menos aborrecido.
Marcos Hiller é o editor desse portal. E a imagem que ilustra esse texto foi obtida nessa matéria do Hypeness sobre um ilustrador francês que critica o mundo digital.