As marcas das manifestações

por LORENZO PADOVANO

A marca significa, transcende e inspira. Tem forma orgânica e é altamente mutável. Ela ultrapassa os objetivos que lhe foram implícitos através da influência de seus stakeholders e da sociedade em geral.

Uma marca que se comunica com clareza sofre elogios, críticas, atrai seguidores e pode causar simpatia ou antipatia. Portanto, entender os desmembramentos do significado de uma marca é como decifrar com convicção toda a profundidade da mente humana, como se formou e quanto será influenciada pelo meio ambiente em que ela existe. E no ano passado, na noite de 13 de junho de 2013, que percebi nitidamente a profundidade do significado das marcas e como elas, mesmo que bem estruturadas “dentro de casa” são, de fato, vulneráveis aos contextos externos sociais, culturais e econômicos.

Acontecia, no centro da cidade de São Paulo, o terceiro protesto do Movimento Passe Livre (MPL) que reivindicava a revogação do aumento de R$ 0,20 na tarifa da passagem de ônibus. Pelo menos 20 mil pessoas compareceram, sustentando uma bandeira e um discurso único. O MPL foi batizado em janeiro de 2005, mas foi naquela noite que a marca ganhou uma imensurável exposição e conseguiu difundir seus valores e princípios.

Vários fatores foram responsáveis pelo grande engajamento da população à proposta da MPL. Internamente, ou melhor, estrategicamente, o movimento soube se divulgar não só pelo “boca a boca” mas pelas vias digitais:  facebook, blogs, website, hashtags (#vemprarua, #ogiganteacordou) e mídia em geral. Soube passar seus atributos relevantes de marca por intermédio de brados pertinentes como “vem/ vem/ vem pra rua vem/ contra o aumento” exclamado toda vez que os manifestantes viam espectadores nas janelas ou aglomerados no piso térreo dos prédios.

É interessante notar que uma música com a letra “vem pra rua” foi utilizada recentemente pela FIAT para demonstrar seu apoio à Copa, mas logo foi tirada do ar pela associação ao movimento. Logo depois, a FIAT comunicou que “a música agora é dos brasileiros”. O movimento também elaborou bandeiras e cartazes criativos (como “desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil”) e associou o simbolismo da essência do MPL ao famoso gigante que acordou no meio dos morros do Rio de Janeiro, conforme propagandeado pela marca de uísque Johnnie Walker.

Todavia, não foram só fatores internos que levaram essa marca ao sucesso. A histórica e crescente descrença da população na classe política e suas constantes falcatruas; a violenta repressão da Polícia Militar – uma marca representativa que tem por missão assistir e proteger os cidadãos -; e a falta de imparcialidade dos grandes meios de comunicação fizeram com que a reivindicação de R$ 0,20 tomassem proporções gigantescas. O MPL foi ouvido e teve retorno positivo de seus receptores. Pela omissão, descompromisso ou irresponsabilidade de marcas como Polícia Militar, Rede Globo, Arnaldo Jabor, TV Bandeirantes e Prefeitura de São Paulo, o Movimento Passe Livre cresceu no “market share”, ganhou valor de marca e obteve grande influência política. Os reclamantes já foram ouvidos pelo prefeito, governador e até pela presidente do Brasil.

Quando gerimos marcas, falamos que uma essência alinhada ressoa com facilidade, de dentro para fora, como um pingo d’água ao cair em uma superfície líquida em repouso. O MPL conseguiu isso, e por todo o Brasil ainda se ouve o eco do grito “vem pra rua”, com pessoas saindo de suas casas e reinvindicando seus direitos e poderes. Eu mesmo o fiz e afirmo: a experiência com a marca MPL me fez sentir com a cidadania em dia.

 LORENZO PADOVANO    ::    lo.padovano@gmail.com

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